Origem do Sobrenome Grando

 

 

A Origem do Sobrenome Grando

 

“Duvide sempre,

cheque tudo,

volte atrás quando estiver errado.”

 

 

   Sempre fui um apaixonado por História. Era a minha matéria preferida durante a minha adolescência e continua sendo até hoje.

   E várias dúvidas sempre atormentaram a minha mente: “ de onde vieram meus antepassados ? ”De onde veio o sobrenome GRANDO ?”.

   Meu avô Paulo Grando nascido em 1923 em Cerquilho me dizia que seu pai tinha vindo com 3 anos de Codognè, província de Treviso. E que o sobrenome Grando era usado porque os ascendentes eram todos grandes e fortes. Foram sem dúvida as primeiras respostas que tive aos meus questionamentos.

   Meu avô tinha um brasão da família Grando que ganhou na década de 80 e que enfeitava a sala principal de sua casa em Piracicaba. Junto havia um texto explicando a origem da família. Um brasão bonito e imponente, em uma moldura de maderia. Era de uma empresa que vendia brasões e histórias. Era só mandar uma carta ( sim, pois naquela época não tínhamos ainda internet) com seu sobrenome que eles te mandavam pelo correio após o pagamento.

 O nono tinha tanto orgulho do tal brasão e da história que eu também quis ter um. Passeando um dia no Guarujá me deparei com uma loja de Heraldica       ( arte de símbolos em brasões). Entrei e dei meu sobrenome Grando. Paguei e me entregaram um lindo brasão e um papel envelhecido, bonito, parecendo aqueles pergaminhos antigos com uma história sobre a família. Mas.....fiquei desapontado. O brasão era diferente do meu avô, e a história também não era igual. Afinal, será que estas empresas não estavam apenas querendo ganhar dinheiro, inventando brasões e histórias familiares para servirem de souvenir nas casas dos patriarcas ?

 

 

   Nesta época já tinha aulas de pesquisa científica na Faculdade de Medicina de Marília. E ao estudar René Descartes, me lembrava dos dizeres que postei na epígrafe deste capítulo: “ Duvide sempre, cheque tudo, volte atrás quando estiver errado”.

   Resolvi começar a investigar. Teriam algum grau de veracidade os brasões e as histórias ?. Escrevi para as empresas que tinham vendidos os brasões e as histórias para mim e para o meu avô. Pedi que me enviassem cópias das referências bibliográficas do que se afirmavam nos textos. Claro que me dispus a pagar por isso. Mas não me responderam. Resolvi ligar e me disseram que eram fontes só deles, que não compartilhavam. Afirmação estranha, ainda mais no mundo da ciência onde tudo há de ser comprovado.

   Fiz um blog da família e comecei a pesquisar....

 Um primo do Rio Grande do Sul chamado Valério Grando ao ler o blog me mandou um novo brasão e uma nova história que seu pai recebeu dos descendentes dos Grandos que vieram do bairro de Fastro, cidade de Arsié na província de Belluno, da mesma região de Veneto que meus descendentes vieram. O brasão era diferente dos três que eu já tinha ( sim, pois nesta época já tinha achado e comprado um terceiro de uma outra empresa) e a história guardava alguma semelhança com as minhas. O brasão e a história foram encontrados com uma família de Fastro, bairro de Arsié em 1967. Dizia a história que o nome Grando provinha de um cavaleiro romano de nome Leone no tempo do imperador Ottone I ( 912 a 973 d.C). O imperador Ottone por suas conquistas foi chamado de Ottone, o Grande; sobrenome seguido posteriormente por seus descendentes. ( de acordo com os dizeres que acompanhavam o brasão).  Dizia também o texto que há o registro de um Luca Grando que no tempo do império de Federico II teria governado Siracusa, na Sicilia por 3 anos.

   O texto era muito similar a outro que eu tinha comprado, pequenas diferentes. No meu a história começava com Ottone IV que teria dado o sobrenome ao seu cavaleiro Leone. E Lucca Grando seria filho de Leone que foi servir em Siracusa se tornando governador da região.

   Outros brasões citavam supostos nobres inscritos na Enciclopédia Nobiliária Italiana em séculos posteriores.

   O padre de Fastro que mandou o brasão e a história para os meus primos do sul finalizou o texto com os seguintes dizeres: “ não sei que valor histórico há”....

   Pois bem, estava na hora de descobrir.  Resolvi de uma vez por todas mergulhar na história da Idade Média italiana e pesquisar. Como já falava e lia bem italiano, me cadastrei num site italiano que vendia livros e passei a comprar livros históricos sobre Vêneto, sobre a origem dos sobrenomes e sobre a Idade Média. A seguir seguem minhas ponderações:

 

 

 

   Ottone I de fato existiu e foi um grande imperador. É considerado por muitos como o primeiro imperador do Sacro Império Romano Germânico ( a aliança entre rei e o papado que gerou um grande império na Idade Média). Ottone já governava a Germânia desde a morte de seu pai Enrique , duque de Savóia  e em 962 d. C foi coroado pelo papa João XII imperador dos romanos. Desta forma, Ottone invade a Itália conquistando o “Regno Italico” que vinha sendo motivo de brigas entre duas tradicionais famílias francas ( Spoletos e Friullanos) que ocuparam a região quando Carlos Magno expulsou os lombardos em ( 800 d.C). Porém nada na história é relatado sobre o tal cavaleiro Leone citado nos brasões vendidos por empresas de heráldica. O que é deveras estranho, porque a história da Região de Vêneto é bastante rica e detalhada durante a Idade Média quando se refere aos nobres e cavaleiros. Sabe-se por exemplo que a região entre Belluno e Treviso ( de onde emigraram os Grandos para o Brasil) era dominada por duas famílias nobres: Os Da Collalto e os Da Camino que tinham a soberania da região durante a dinastia de Ottone e acabaram até fundindo as famílias durante a Baixa Idade Média em casamentos. Eles permaneceram exercendo seus domínios até o final da Idade Média em 1453 d.C. Claro que com menor importância pois a partir do Século XIII esta região passou para as mãos da potente República Veneziana. Há outros nobres no norte da Itália na região de Verona, Vicenza, Padova, Milão. Mas na região compreendida entre Belluno e Treviso somente estes dois nobres. E nenhum registro de qualquer nobre ou cavaleiro com o sobrenome Grando existe nos documentos históricos da região de Vêneto.

   O próprio nome Leone não era um nome próprio comum durante a Idade Média na Itália. Era sim um nome herdado por vários papas, que consideram o símbolo do Leão como o mais forte entre os homens e o que mais os aproximavam de Deus. Portanto um cidadão comum, ou mesmo da nobreza dificilmente seria chamado Leone, pois possivelmente seria visto como um herege, alguém que quer tomar o lugar dos santos.

   Os brasões vendidos como sendo dos Grandos, também pecam pelo raciocínio lógico. Alguns tem uma coroa de 5 pontas. Na heráldica italiana uma coroa de 5 pontas representava a realeza ( nem os nobres de Collalto e Camino tinham em seus brasões uma coroa). Também não era uma coroa de um cavaleiro que se destacou em guerras, pois a coroa dos cavaleiros tinham 3 pontas. Ademais os mesmos brasões vendidos como sendo da nossa família também o são com o nome de outras famílias, o que os tornam pouco críveis.

   Neste período pesquisei os enormes volumes de registros da Enciclopédia Nobiliária Italiana. Não há nenhum registro do sobrenome Grando registrado nela.

   Outro ponto que fere a lógica é a passagem dos sobrenomes com características físicas para os descendentes. Isso não acontecia. Somente os sobrenomes de feudos iam passando para os filhos para garantirem a posse da terra. Os sobrenomes com características físicas ( grande, baixo, alto, ruivo, careca, corcunda, vermelho etc) só diziam respeito à própria pessoa que os usavam. Como exemplo temos o próprio Ottone I, chamado de “ O Grande”. Ele não herdou “ O Grande” do pai. Na verdade, seu pai Enrique I era conhecido como Enrique L´uccelatore ( o passarinheiro). Também o filho de Otone I não herdou “ O Grande “ de seu pai. Ele era conhecido como Ottone II, il Rosso ( O Vermelho). Tal fato se repete com as centenas de nobres e reis que após conquistas adotavam o apelido de “ O Grande” após o nome. Eles não transmitiram os apelidos aos seus filhos e netos. Desta forma por que seria diferente com o tal Leone ? Foge a uma prova de raciocínio lógico.

   E o tal Luca que governou Siracusa na época de Federico II? Existiu ? Também parece que não.

   Federico II realmente foi um nobre que sucedeu Ottone IV ( 1220 d.C) e  ocupou a região sul da Itália. E a história é bem rica em apontar seus feitos. Mas não há nenhuma evidência sobre o tal Luca Grando que ele supostamente teria deixado governando a Siracusa. Cheguei a entrar em contato com a o serviço público da cidade de Siracusa. Trocamos e-mails e a resposta foi: “ não há qualquer registro de nenhum Grando governando Siracusa”. Na lista dos que governaram Siracusa na época de Federico II  não há nem ao menos alguém de nome Luca.

 

   Enfim, a conclusão que cheguei até este ponto foi de que as empresas de heráldica ao redor do mundo estão interessadas em vender produtos. Usam dados históricos de personagens reais ( Ottone I e Federico II), introduzindo os sobrenomes que lhe são solicitados no meio das histórias para tentar passar uma impressão convincente. Todos são nobres, ou guerreiros ou foram figuras importantes no passado. Assim eles deixam os familiares compradores dos brasões e das histórias orgulhosos, como aconteceu com o meu avô na década de 80 e possivelmente como acontece com qualquer familiar que compra brasões ou histórias.

A grafia “Grando” é  de um dos dialetos falados na região de Vêneto e Friulli Venezia Giullia, ambos no nordeste da Itália. É um adjetivo que significa "Grande". E esta é a principal prova de que Grando tem sua origem nas regiões de Vêneto e Friulli Venezia Giullia onde se falaravam tal dialeto. Este dialeto tem a grande particularidade de variar o adjetivo em gênero. Temos Grando para masculino e Granda para feminino. As outras línguas e  dialetos costumam usar o adjetivo grande variando-o apenas em número ( singular e plural). 
 

   Consegui levantar meus ascendentes da região de Treviso até 1500 d.C com bispos e padres italianos. E eles repetiram o que os livros de história da Itália medieval relatam. Os sobrenomes com  características físicas ( como o Grando) só passaram a ser transmitidos de forma hereditária na Itália com o Concílio de Trento ( 1545 a 1563 d.C) . Este Concílio obrigou que todo nascimento, casamento e morte fosse registrado em livros eclesiásticos e sempre com o sobrenome do pai. Portanto, o sobrenome Grando somente passou a representar uma familia a partir deste Concílio.

   Como postado no início do capítulo, sigo difundindo a idéia “Duvide sempre, cheque tudo, volte atrás quando estiver errado”. Aos futuros pesquisadores sobre a nossa família eu digo: duvidem sempre de qualquer informação pronta, chequem seus dados e se descobrirem algo diferente com evidências históricas ou provas documentais terei um enorme prazer em receber, reestudar e se for crível, voltar atrás.

   Mas para finalizar, e os brasões com o nome Grando? Não têm valor nenhum? Eu responderia que valor histórico provavelmente não. Mas têm um valor sentimental. Pelo menos o que eu guardei do meu avô falecido está pendurado no meu salão de festas e todas as vezes que eu olho para ele eu lembro com carinho e saudades do orgulho que meu avô sentia ao mostrar aos convidados o “ seu brasão da família Grando”.

 

A seguir imagens dos Brasões vendidos como sendo Grando:

Brasão 1: o que era do meu avô.

 

 Brasão 2 : o que veio de Fastro para os primos do RS:

Brasão 3: vendido por um site da Eraldica Italiana

Brasão 4: outro vendido por sites privados